segunda-feira, 23 de agosto de 2010

PREPARADO OU PREPARANDO-SE ?

A iniciação no candomblé não é uma decisão que se toma levianamente sem observar as conseqüências provenientes de erros, caso o Zelador/a não esteja preparado devidamente para isto, tem muita gente fazendo isso sem nenhum escrúpulo. São os mercenários de nossa religião que não têm o menor respeito pelo Orixá, que dirá pelas pessoas desavisadas que caem em suas mãos, por isso a importância de ser abian.

Se você não tem certeza do que quer, por favor, não se inicie, permaneça abian.
Muitas pessoas pensam que é só fazer o santo e já podem ser pais ou mães de santo. A coisa não é bem assim… A iniciação não é o único pré-requisito para o sacerdócio. Não é por que a pessoa se iniciou que obrigatoriamente terá que abrir casa ao completar a maior idade na obrigação de sete anos.
Não são todos filhos de santo que recebem o cargo para ser um sacerdote. O sacerdote já nasce com essa missão e em proporção seria 1 em cada 1000 que deveria se preparar para essa árdua tarefa. O que está acontecendo no candomblé é uma distorção grave.

É preciso saber que candomblé não se resume às festas de barracão, a festa é só a ponta do iceberg, não é só chegar na hora da festa para dançar. Candomblé não é só isso.
O candomblé (preparativos) propriamente dito começa uma semana antes de cada festa, com muita gente na casa lavando, passando, cozinhando, limpando e enfeitando. Quando você entra no barracão e vê as bandeirinhas no teto da cor do Orixá que está sendo homenageado, alguém teve que comprar, cortar e colar as bandeirinhas e colocá-las no lugar para que o barracão fique bonito.
As anáguas, toalhas brancas, ojás precisam ser engomadas e passadas, isso normalmente é feito pelas ekedi ou pessoas que moram na casa de candomblé. Mas e as suas anáguas quem vai engomar? Quem vai passar? É durante o período de abian que muita gente vai aprender a lavar suas roupas, engomar e passar para poder usar na festa.
Se você não sabe lavar roupa ou nunca lavou vai ter que aprender.

Durante a semana diversas obrigações são feitas, de acordo com a determinação do jogo de búzios, aos Exus, Eguns e os Orixás homenageados. Os bichos têm que ser limpos por alguém e tratados, pois será servido uma parte para os Orixás e outra parte para todos os presentes na festa. Você já limpou uma galinha, um pato, um pombo ou um cabrito? Ah! Tem dó?! Tem nojo? Ah bom! Então pode ir pensando no assunto. Na hora de tirar as penas todo mundo deve ajudar, não importa cargo, pois esta é uma das coisas que os abian e Iyawo (pessoa iniciada) podem fazer.

Alguém precisa limpar a casa e deixar impecável para que ninguém saia falando e para que todos se sintam bem, num lugar limpo,arrumado e confortável. Isso os abian e os Iyawos também podem fazer sem problemas. Se você nunca varreu sua casa, vai aprender a varrer barracão e quintal, que normalmente são enormes.

A comida precisa ser preparada e estar pronta antes de começar a festa para que as pessoas que estavam na cozinha possam tomar banho e se arrumar para festa.
Quando chegar num candomblé e notar algumas pessoas com cara de cansadas e cochilando em alguma cadeira, não repare, essa pessoa deve estar com todos os ossos do corpo doendo de uma semana de trabalho duro para que você possa ver uma festa bonita.

Se você é leigo no assunto procure conhecer, ler, pesquisar, conviver, aprender um pouco mais antes de fazer qualquer coisa.
Atrevo-me a pontuar as razões:

1. Não deve se iniciar só porque acha bonito, porque gosta das roupas, porque gosta do ritmo envolvente sem pensar nas responsabilidades da iniciação.

2. Não se inicia para depois de um ano chegar à conclusão que não era bem isso que se queria. Quando você se inicia no candomblé você está criando um vínculo com o seu Orixá, o Orixá do zelador, com a casa, com o zelador/a. Você passa a fazer parte de uma comunidade, por isso deve escolher bem a casa.

3. Antes de qualquer coisa, você deve consultar outros jogos de búzios (em casa séria e idônea) para saber se as respostas dos jogos são coerentes entre si.

4. Você precisa escolher a casa e o Zelador/a que mais lhe inspire confiança, procurar saber de fato se você se sente acolhido. Tudo isso para não ter surpresas e aborrecimentos no futuro. Estou dizendo isto para que evitemos traumas e decepções, é sabido que não vamos encontrar casa perfeita, mas certamente existe alguma que se assemelha aquilo que a gente espera de uma comunidade de Axé.

5. Uma pessoa que não foi iniciada não pode iniciar outras pessoas porque não recebeu o Axé de ninguém. E pelo que me consta, ninguém pode dar aquilo que não tem/recebeu. Preste atenção neste item.

6. Mesmo que lhe digam que precisa ser iniciado, tenha calma e não vá fazendo no primeiro lugar que lhe disseram. Conheça outros lugares, se informe, observe. O seu Orixá não vai te matar se você não se iniciar imediatamente, o seu Orixá quer o melhor para você.

7. Os abian nas casas de candomblé, são pessoas que participam das festas e algumas obrigações na casa sem ter a responsabilidade de ser um iniciado, é uma espécie de adaptação e observação: entrosamento.

8. Para fazer parte do candomblé não pode ser preguiçoso, se está pensando que vai chegar numa roça de candomblé e ficar encostado olhando os outros trabalharem, esqueça, todos trabalham por igual em prol da comunidade, se é uma casa para todos os filhos, todos os filhos devem ajudar. E não é ao Zelador/a que estão ajudando. Quando limpar a roça pense que alguém está fazendo a comida que você vai comer e o que você está fazendo se reverterá em benefício de todos e para que todos tenham um ambiente agradável e limpo.

9. Durante o período de abian é que você aprende a dançar no barracão, aprende as cantigas, convive com todos da roça e tem a possibilidade de conhecer um por um. Nesse período é que você vai descobrir se está no lugar que se identifica, caso não seja poderá ir para outra casa, pois ainda não tem vínculo nenhum com o Zelador/a e nem com a casa.

10. O Axé vai sendo transmitido aos poucos: através das rezas, cantigas, banhos, Boris, na feitura, na obrigação de 1 ano, 3 anos, (em algumas nações tem a de 5 anos), 7 anos, 14 anos, 21 anos de santo.

11. Considerando as exceções e que esta é minha opinião, o melhor é permanecer na casa onde se foi iniciado, mas em decorrência de muitos desentendimentos entre zeladores e filhos de santo, tem havido uma constante mudança de casa. Pense… você (talvez) não vai ser tratado em outras casas, como na casa onde foi iniciado, existe uma diferença, pode ser muito bem camuflado, mas que esse sentimento existe… existe. No primeiro desentendimento você pode ouvir ”você não é do meu axé”, não digo do Zelador/a, mas dos outros filhos da casa.

12. Você detém o “livre arbítrio” determinado por Olorun (Deus). Só você determina o seu caminho em tudo na vida, o Orixá compartilhará transmitindo seu Axé, interagindo e personificando-o cada vez mais.

Portanto, preserve a boa convivência, o bom senso em sua casa, seja razoável e prudente. Sua casa é o seu lugar.

Antes de pensar em se iniciar, pense bem em tudo o que escrevi acima. Só se inicie no candomblé se de fato se sentir seguro do passo a ser dado, com o máximo de confiança no zelador, em casa de raiz africana e de ilibada reputação.

Axé,

Abian Nanci Dias

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