``Misticismo e religião são palavras que parecem significar a mesma coisa, mas sua semelhança restringe-se ao fato de que ambas traduzem, cada uma à sua maneira, experiências emocionais na esfera espiritual.
O ``Misticismo´´, frisa Margaret Smith, ``ultrapassa a religião, pois aspira a uma união íntima com o Divino feita com a alma, a uma anulação da individualidade, com sua maneira habitual de agir, pensar e sentir, na Divina Substância.
O místico almeja transcender tudo o que é fenomenal e todas as formas da realidade comum, para se transformar no Ser (Being) ele próprio´´.
Por sua vez, as religiões "corporativas" vêem o Misticismo com desconfiança, quando não com desprezo, justamente porque padece de uma organização, de uma sistematização, de um exercício escrupuloso de práticas culturais e do respeito aos poderes superiores ( a religio dos romanos).
Os místicos, como se sabe, têm na ausência de sistematização o ponto forte da sua doutrina, pois para eles qualquer tentativa de "organizá-la" impediria a plena fruição da comunicação direta com Deus.
Além disso, consideram que a religião favorece a idolatria, a opressão, a condenação arbitrária - assuntos estranhos ao Misticismo porque ele prega a compreensão baseada no amor universal e na ausência de qualquer espécie de punição. Isso explica por que o Misticismo, em épocas de intolerância, foi acusado de ser uma ameaça à religião, originando-se a perseguição aos místicos e sua condenação sumária.
Mas os religiosos também costumam criticar os místicos porque não admitem como teologicamente honesta a comunicação direta com Deus, vista pelos mais radicais até como heresia, uma "provocação", embora para muitas teorias da religião o Misticismo seja o coração de toda a religião verdadeira, afirmação por sua vez contestada pelos que asseveram que a expressão mística nada mais é que um aspecto ou, quando muito, um filho adotivo da religião, embora sem a força do seu caráter devocional.
Porém, é inegável que, em todas as religiões, o Misticismo surgiu como forma de reação, na conhecida afirmação de que, se para os religiosos, amar a Deus é VIVER Nele, para os místicos, amar a Deus é morrer Nele.
Nesse sentido é que o Misticismo pode ser visto como a religião em sua manifestação mais passional.
Costuma-se também distinguir religião de religiosidade. Enquanto a primeira tenta captar a dimensão sacra fora do mundo, a religiosidade procura captar a dimensão do mundo.
Ou, como nota Vilém Flusser, ``o nosso tipo de religiosidade nos define como existências e estabelece o mundo dentro do qual existimos [...]´´.
Outra diferença apontada entre religião e Misticismo é que neste o êxtase ocorre com intensidade extrema, quase insuportável, uma verdadeira transfiguração, como a descrevem muitos místicos.
O religioso convencional desconhece esse estado alterado da consciência, e de certa maneira inconsciente chega a evitá-lo, pois pressente a intensidade que se manifesta com toda a força na chamada "teologia natural" do Misticismo.
Por outro lado, e nisso concordam os estudiosos, as religiões primitivas não enfrentaram a oposição do Misticismo, que só surgiu quando o homem foi capaz de mergulhar numa reflexão mais profunda sobre sua condição, o que ocorreu como consequência da sua gradativa capacidade de abstração, capacidade que é aguda na via mística.
Ela decorre do fato de que o místico não está condicionado por um sistema teológico rígido e menos ainda por ritos consagratórios:
a união mística é, assim, a abstração desses condicionamentos levada ao ponto extremo.´´
Fonte: Iniciação ao Misticismo Cristão, por J.C. Ismael, editora Nova Era, páginas 29, 30 e 31.
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