Diz a sabedoria nagô que a encruzilhada suscita movimento e mistério,
reino de Exu, o ponto de interseção de um feixe de caminhos, se traduz como o momento da escolha, seu ônus e seu bônus.
De um lado, existem aqueles que tomam seus rumos decididamente e não
pensam nas demais possibilidades, aparentemente não escolhem, decidem.
Entretanto, a decisão é por si só uma escolha, seja ela consciente ou não.
De outro lado, existem aqueles que, contrariamente, têm imensa dificuldade em escolher, se mantêm nas encruzilhadas por longos períodos, regidos pelo “e se”,inconscientes de que a não escolha é também, por si só, uma decisão, reduzem seu universo ao ambiente da encruzilhada, em si mesmo movimento, ponto de chegada e de partida do e para o mundo.
A encruzilhada é o ambiente da aporia e da dialética, seara de Exu, nela
todo sentido torna-se o contrário do esperado, todo não sentido ou objeto da não escolha se traduz como dúvida e angústia.
Eis o mistério da encruzilhada: optar é sempre negar.
Filosofia é encruzilhada. Agem como Exus aqueles que atribuem à Filosofia o poder de ensinar a refletir, já que é próprio de Exu confundir; do ponto de vista da encruzilhada todos os caminhos se assemelham e é isso que produz a dúvida, é isso que dificulta ou impede a escolha.
Em filosofia a encruzilhada de todos os caminhos é a não solução, já que toda solução pressupõe seu contrário, seu avesso, seu oposto e seu complemento.
Cabe à filosofia não escolher e, com isso, suscitar escolhas. Somos
aprendizes de Exu, nos iniciamos na arte de dissimular, de mostrar como verdade o que contradiremos logo a seguir.
Como Exus somos capazes de produzir mundos mágicos, abstratos, sem qualquer tipo de concretude, inventamos a felicidade, a liberdade, o infinito, o eterno e, no auge da criatividade, inventamos Deus, entes metafísicos, improváveis, mas graças às lides de Exus, absolutamente pensáveis, caminhos múltiplos de uma encruzilhada invisível e, nelas, escolhemos, decidimos,nos irmanamos, nos indispomos e nos contrapomos, erguemos fundamentos igualmente invisíveis, dizemos com a maior firmeza que quando duas ou mais pessoas estão reunidas em nome Dele, ali se ergue uma igreja.
Isso nos leva a uma outra manobra de Exu:
a metáfora, o sentido figurado;essa manobra nos permite dar às palavras sentidos absolutamente improváveis,um arsenal poderoso para aquele que aprendeu com ele a lição das lições: a retórica, o discurso, a mágica da significação. As palavras têm poder, formam corpos-pensamento, são capazes de alterar o humor, de depor reis, de destruir e erguer impérios. Essa manobra habilidosa de Exu possibilitou aos seus devotos dominar a própria natureza em seu duplo sentido: em si mesma e para nós próprios.
A natureza em si é aquela que nos faz acreditar na nossa capacidade
criadora e, a partir disso, nos transporta para fora dela; ao passo que a natureza para nós é a massa informe que moldamos à nossa imagem e semelhança, um jogo de palavras com tamanho poder realizador que produziu as duas filhas diletas do homem: a matemática e a ciência.
Filosofia é encruzilhada de tal monta que é possível, graças a Exu, destituir lhe a paternidade e filosofar sem se sequer mencionar os gregos.
Guilherme Augusto Rezende Lemos
fonte:http://www.hispanista.com.br/artigos%20autores%20e%20pdfs/307.pdf
HISPANISTA - Vol XI nº 40 – Enero – Febrero - Marzo de 2010
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