terça-feira, 23 de junho de 2009

O DIABO ESPÍRITA

O impulso inicial de qualquer bom espírita é repudiar o insulto que nos é, anacrônica e repetidamente, dirigido.
Mas, não! Não façamos isso!
Analisemos, que esse insulto não é um qualquer.

Quando os que nos são contra vêm com essa de que somos do demônio, há uma verdade nessa assertiva que deveríamos aceitar.
Allan Kardec ousou utilizar-se de uma linguagem eminentemente diabólica para tratar das coisas de Deus. Ele não aceitou que as verdades ditadas pelos Espíritos fossem encaradas como dogmas de sacerdotes em êxtase.
Colocou as revelações mediúnicas sob a prova da lógica e do consenso.
Utilizou-se, portanto, de elementos de filosofia e de ciência.

Para atestar a fé, portanto, ele começou colocando a prova os fenômenos da religião. Ele começou duvidando!
Os filósofos sempre foram tidos como orgulhosos pelos homens de fé.
Porque enquanto estes procuravam sua força em Deus, aqueles buscavam em si mesmos.

O que é ser demoníaco senão querer ser deus?
Porque, dentro de um sistema monoteísta, um só deus pode haver, e qualquer outro que pretenda fazer as vezes de deus, não pode ser outra coisa que não seu oposto. Deverá ser tachado de diabo, já que gerou discórdia onde só deveria haver harmonia, ainda que imposta.

No discurso espírita há as duas formas de se relacionar com Deus: a da concórdia e a da discórdia. Quando, fragilizados, damos nossa cara a tapa e nos entregamos à prece, estamos agindo dentro de uma perfeita via religiosa.

Quando, fortalecidos, tomamos a responsabilidade de nossos atos, inclusive do passado remoto e invisível, as reencarnações, somos deuses em busca da reconstrução de nossas vidas.
Nossa discórdia, todavia, é uma que objetiva uma melhor concórdia com o que há de divino no mundo.
Trabalhar para assumir nossa divindade não é querer destronar Deus, mas querer ser ao lado dele.

A psicologia não fez outra coisa senão deixar o demônio que habita em nosso peito falar.
Ela também nos é uma ciência afim.
A diferença é que permitimos que outros demônios que não os nossos se manifestem em nosso peito, e isso é caridade.

Permitir que o amor que tenho em mim possa abraçar o ódio que há no outro.
Mais do que isso, acolher o ódio de um outro qualquer em meu corpo para que o amor que me habita possa aliviá-lo é o sublime de uma relação mediúnica eminentemente cristã.

Enquanto todos os exorcistas consideravam o demônio como um inimigo merecedor da danação perpétua, Kardec, iluminado pelos preceitos espíritas, alertava:

“Por vezes acontece mesmo que a obsessão, quando simples, seja uma tarefa imposta ao obsedado, que deve trabalhar para melhorar o obsessor, como um pai a um filho vicioso”*.

*KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de Estudos Psicológicos, Quinto Ano, 1862/ traduzida por Júlio Abreu Filho. p. 381. Sobradinho, DF: Edicel, 2003.

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