Refletir a Umbanda compartilhando conceitos com os prosélitos umbandistas se torna complexo porque, no universo ritualístico externo, e no mais das vezes no interno, dado a diversidade do mundo espiritual, a legitimidade daquele que fala ou escreve sempre é questionada.
Esta situação leva a uma inibição de muitas lideranças, que poderiam participar mais ativamente da porta de entrada dos terreiros para fora, para a sociedade, se unindo a outros terreiros, não somente para dentro, para o público assistente e corpo mediúnico.
Na atualidade, nem mesmo nas comunidades internas de cada agremiação é possível um consenso, desde que perguntarmos para cada médium manifestado – “incorporado” - numa entidade o que é Umbanda, cada uma terá um conceito e orientação diferente.
Talvez esta situação mudasse se quebrássemos o tabu de não se falar em consciência mediúnica, o que nos traria muito mais responsabilidade como instrumentos dos espíritos no sentido que seríamos artífices ativos, em vez de passivos, do que falamos e orientamos. A manutenção do tabu da inconsciência, um dogma em alguns terreiros, talvez ainda a maioria, nos faz acomodar, pois o que é dito e orientado é “culpa” das entidades, nos liberando de maiores esforços, lamentavelmente também de estudar, pois o “guia faz tudo”. Concluir-se-á que pouco se estuda no meio umbandístico.
As discussões bizantinas nos terreiros sobre a “verdadeira” maneira de fazer as coisas, em que sempre se encontram detalhes ritualísticos, ditos fundamentos, que permitem a diferenciação e dão ênfase a interpretação pessoal de cada líder chefe, inclusive dos médiuns “incorporados” em que a entidade dá a sua opinião, não raras vezes questionando diretamente a chefia dos trabalhos, só fazem demonstrar a extrema dificuldade de um campo muito fragmentado na sua relação com o mundo dos espíritos, na qual a própria idéia de ortodoxia, muito tênue, inevitavelmente constitui paradoxos:
- convergência não significa unidade na diversidade;
- a fala dos espíritos pode ser questionada e muitos chefes de terreiros quando contrariados pela orientação de um guia “subalterno” na hierarquia do espaço sagrado, acusam o médium de simulação.
Em se tratando de prática ritualística e fundamento de cada terreiro, se conclui que dificilmente haverá uma unidade em toda a diversidade existente. Diante desta constatação, se infere que o movimento de convergência está mais ligado a preceitos mais simples e comuns, num tratado epistemológico de linguagem acessível.
É consenso fazer a caridade desinteressada, o maior ponto convergente na Umbanda.
Há que se refletir como surgiu na Umbanda a vinculação com a sua essência, fazer a caridade. Pode haver críticas, contrariedades, mas não há como se negar que o apelo caritativo da Umbanda, assim como a sua ligação a Jesus Cristo, foi instituída pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas através da inequívoca mediunidade de Zélio de Moraes.
Este canal, desobstruído, natural, simples, não teve nenhuma iniciação na Terra, não fez raspagens e nunca precisou de sangue ou corte ritualístico para reforçar o seu tônus mediúnico.
O apelo iniciático é dispensado pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, que preparou seu médium em muitas encarnações antes da atual personalidade ocupada.
Pensemos sobre isto.
Eis um ponto de contrariedade em muitas lideranças: a vinculação à Jesus e à caridade desinteressada.
Na verdade o “mal estar” não está ligado propriamente a Jesus, nas tentativas de dessincretizar a Umbanda, mas à sua própria vibração, que é a do Cristo Cósmico, liberando os santos das personalidades transitórias, como foi a de Jesus, uma mera encarnação deste representante dos Orixás.
O que está se tentando dizer é que o movimento de reafricanização no meio umbandístico, dispensando a Umbanda da imagem de Jesus e da caridade desinteressada, libera os adeptos para cobrarem as consultas e trabalhos, para realizarem tranqüilamente os sacrifícios dos animais, que desta forma não se confrontaria com a caridade, já que matar nunca poderá ser considerado um ato de amor, logo caritativo.
Este é o fulcro de toda a desarmonia existente nas tentativas de se criar uma unidade de preceitos, de fundamentos, uma mínima ortodoxia doutrinária - obvio que isto não significa cartilha dogmática - no seio da Umbanda.
EXU, O GRANDE PARADOXO NA CARIDADE UMBANDÍSTICA
Poder-se-ia aprofundar esta questão, polêmica por si.
Como por exemplo refletindo as múltiplas facetas de EXU e a diversidade de interpretações existentes nos cultos.
Desde os idos da antiga África que EXU deixa estupefatos os circunstantes.
Para alguns umbandistas, mais ligados a dualidade católico-espirítica é um grande incômodo e não é permitido as suas manifestações.
Para outros liberados de constrições culposas, EXU ainda é vestido pelo inconsciente do imaginário popular com capa vermelha, tridente, pé de bode, sorridente entre labaredas.
Há os que “despacham” EXU para não incomodar o culto aos “orixás”.
Exu, sendo considerado entidade, não deve entrar, dizem os ortodoxos que preconizam a pureza das nações. Ali não tem lugar para egum...espírito de morto...
Existem os mais entendidos nos fundamentos da natureza oculta que compreendem EXU como o movimento dinâmico de comunicação entre os planos de vida.
Entendem que o axé – asé – impulsiona a prática litúrgica que, por sua vez, o realimenta, pondo todo o sistema em movimento.
EXU, vibração indiferenciada, não manifestada na forma transitória de um corpo astral ou outro veículo do plano concreto, é o que põe em movimento a força do axé – asé – por meio da qual se estabelece a relação de intercâmbio da dimensão física – concreta – com a rarefeita, a dimensão espiritual.
Em conformidade com esta conceituação, passa EXU a ser indispensável e o elemento de ligação mais importante em toda liturgia e prática mágica umbandística.
Sendo EXU o transportador, o que leva e traz, fecha e abre, para os africanistas ligados as tradições antigas, como concebê-lo sem o sacrifício animal para realimentação da força vital – o asé -, diante do preceito- tabu – que o sangue é o perfeito e indispensável condensador energético com esta finalidade?
Quando referimos africanista, não que dizer negro. Para ser africanista, no sentido de se preconizar a retomada dos antigos ritos tribais, pode se ter qualquer cor de pele. Existem muito negros que tem verdadeira ojeriza a qualquer sacrifício assim como há muitos brancos a postos com a faca afiada.
Neste artigo não se preconiza contra as oferendas ritualísticas.
Pedimos tão somente a reflexão.
Reduzir toda a movimentação das forças cósmicas e seu ciclo retro-vitalizador ao derramamento de sangue pelo corte sacrificial é uma visão estreita, fetichista, da DIVINDADE.
É uma posição reducionista, que demonstra dependência psicológica. Na atualidade se verifica que esta “práxis” extrapolou os limites de fé dos antigos clãs tribais e está inserida na variedade racial da sociedade que a compõe e ao mesmo tempo a confronta, já que objetiva a manutenção financeira de cultos religiosos e o prestígio de seus chefes, dado que o sangue equivocadamente está ligado a força, poder, resolução de problemas e abertura dos caminhos.
Saber manipulá-lo, ter cabeça feita, ser iniciado no santo simboliza este poder.
Este apelo mágico divino atrai mais que retrai, pelo natural imediatismo das pessoas em resolver seus problemas.
Afirmamos que é plenamente possível se movimentar todo o axé – asé -, harmonicamente integrado com a natureza de amor cósmico e crística da Umbanda, equilibrado com a sua essência que é fazer a caridade desinteressada, e GRATUÍTA, sem ceifar vidas e derramar sangue.
O próprio aparelho mediúnico é o maior e mais importante vitalizador do ciclo cósmico de movimentação do axé – asé.
Ele é o “fornecedor”, a cada batida do seu coração, o sangue circula em todo seu corpo denso, repercutindo energeticamente nos corpos mais sutis e volatilizando no plano etéreo. Desta forma, os espíritos mentores, que não produzem estas energias mais densas e telúricas, se valem de seus médiuns que fornecem a vitalidade necessária aos trabalhos caritativos aos necessitados. Há os espíritos que vampirizam estes fluídos.
São dignos de amor, de amparo e socorro, o que fazem as falanges de Umbanda.
O APELO MÁGICO DA INICIAÇÃO:
RASPAR A CABEÇA E DEITAR PRO SANTO
Vamos levantar algumas questões para a reflexão.
Não visamos julgar quem quer que seja, pois o respeito ao livre arbítrio de cada um é soberano.
Por outro lado, muitos ritos das nações se contrapõem a Umbanda pelo lado estético, exterior:
o luxo e a criatividade das roupas usadas contrastam violentamente com a simplicidade e austeridade umbandística.
Assim, embora o caráter festivo das cerimônias das nações seja confrontado com a utilidade do trabalho “simplório” da Umbanda, é justamente o luxo e as apoteoses que agem como imã sobre os médiuns que estão na Umbanda.
Mesmo com o custo excessivos das iniciações e dos adereços, muitos umbandistas acabam se interessando pelas raspagens e deitar pro santo, por quê?
Segue algumas constatações dos motivos:
- Na Umbanda os médiuns incorporam espíritos simples para fazer a caridade, anonimamente se identificando em nomes simbólicos. Nas nações os iniciados se transformam em deuses poderosos que controlam os trovões e ventos, cuja presença do santo no “cavalo” é motivo de veneração coletiva. A combinação de música, dança, luxo, decoração, comida, gera uma fascinação irresistível sobre os espectadores;
- Tornar-se iniciado, significa prestígio e brilhar nas cerimônias confere autenticidade à manifestação do santo;
- Os que são iniciados e continuam em seus terreiros de Umbanda, chefes espirituais, aos olhos da assistência e clientes, se tornam mais poderosos, com um axé – asé – mais forte, aumentando a procura pelos serviços mágicos o que oportuniza um maior ganho financeiro, status e prestígio frente ao mercado religioso;
- Reforçar sua mediunidade, achando que fazendo o corte ritual, no alto do crânio, assentando o “orixá”, terão mediunidade mais inconsciente, o que tornará seu tônus mediúnico mais forte.
Cada vez mais se verifica terreiros que se rendem ao apelo mágico deste tipo de iniciação, introduzindo as raspagens, camarinhas, cortes ritualísticos. Numa segunda etapa, preconizam “libertar” a Umbanda, dessincretizando-a, “africanizando-a” às tradições antigas, dispensando o atrito destes ritos frente a essência umbandística: a caridade desinteressada.
CONCLUSÃO DESTAS REFLEXÕES:
ESTÁ FALTANDO MEDIUNIDADE NA UMBANDA
Pensemos a Umbanda.
Relembremos o Caboclo das Sete Encruzilhadas e o canal mediunidade.
A manifestação mediúnica cristalina, inequívoca, num jovem de 17 anos.
Reflitamos na essência da Umbanda com o Cristo Cósmico, na sua maior representatividade que foi Jesus na Terra.
Qual o motivo do Caboclo das Sete Encruzilhadas ter associado o movimento nascente, que era pré-existente no Astral muito antes, à caridade, à disciplina, à austeridade do branco, à igualdade entre todos, à simplicidade sem ritos complexos e sacrificiais.
Na verdade, pensemos que para ser médium não precisa de pai-de-santo para manifestar os guias, pois nascemos com eles.
Quem tem mediunidade, quem tem coroa pra trabalhar, já vem com ela antes de encarnar.
Não precisa pagar para ninguém firmar o seu santo, assentá-lo na sua glândula pineal.
A mediunidade é um dom de Deus, de Olurum, dos Orixás.
Reflitamos sem julgamentos, baseado em fatos.
Somos umbandistas.
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